Dia 01 - Impressões despretensiosas.

Hoje não vinha ao caso procurar por quaisquer indícios de unidade entre as obras apresentadas na Mostra Percursos – 2011.1. Aliás, se fossem encontrados, tais indícios talvez fossem fatores preocupantes em um curso que deve se orgulhar pelo seu potencial de diversidade. Com um público expressivo – tanto em quantidade quanto em manifestação - a sessão de hoje nos relembrou o papel fundamental do espaço universitário dentro de um campo tão plural e indefinido como o cinematográfico: a experimentação de jovens que, em busca de portos seguros criativos, acabam se aventurando em terrenos ora promissores, ora ingênuos, mas acima de tudo sinceros.

E se por um acaso qualquer a sinceridade transcende qualquer atribuição promissora ou ingênua que possamos designar esses trabalhos, é porque o que está em jogo aqui não são os resultados obtidos – que não deixaram a desejar, para mim – mas porque esse prisma não nos interessa nesse exato momento. Ver as obras sendo exibidas a um público que se deixava contagiar, ver as alternativas encontradas para cada pepino que com certeza apareceu ao longo do processo, ver qualquer traço de maturidade em obras que poderiam muito bem não possuí-lo é motivo de orgulho e satisfação.

A primeira sessão – O estado das coisas - se apresentou quase como um mosaico de vários pequenos trechos do que foi um semestre bastante agitado no Curso de Cinema e Audiovisual da UFC. Cada obra apresentada trazia consigo o questionamento de “que limitações e instruções os alunos tiveram para executar tais propostas”. O que fez com que os filmes se tornassem muito mais interessantes de serem vistos, pois se encontravam ancorados em certas estruturas pré-definidas, possibilitando talvez uma exploração maior de certos recursos utilizados.

Assim, a imagem de VHS foi explorada incansavelmente em Tudo o que você queria ser (de Lara Vasconcelos), fugindo de uma busca por uma perfeição técnica tão comum em diversas produções e construindo o ar de rastros e memórias proposto pela realizadora. As relações sutis entre as linhas narrativas de Entre as seis e as doze (de Luciana Vieira) talvez não tivessem sobrevivido ao processo criativo se não fossem o direcionamento do exercício, que permitiu ao grupo explorar relações dos corpos e ações dos personagens através de uma construção espacial-temporal.

Da mesma forma, a voz como narração também foi utilizada em Urbanos II (de Arinda Roll) e Manumissão (de Mariana Nunes), indicando a procura pelo espaço que as palavras faladas muitas vezes têm dificuldade de conquistar e buscando inseri-las em um contexto que não apenas caibam, mas que sejam necessárias, assumindo assim todos os riscos. Até mesmo a utilização da música como trilha sonora e sua relação com as imagens propostas puderam ser experimentadas durante os exercícios, como em Réquiem (de Arinda Roll), Adeus (de Al Mitchu) e Drugs (de Leandro Bezerra, P.H. Diaz e Flor Fonteneles), filmes que ao adotarem a estética do videoclipe proposta anteriormente, nos apontam para as potencialidades da música como catalisadoras de sentimentos e sensações. Já em Fetiche Branco (de Lohayne Lima e Tiago Alves), a música assume um caráter quase necessário, tornando-se peça-chave da construção de uma atmosfera indispensável à narrativa proposta, assim como em D[u]o (de Lohayne Lima e Mariana Lage), em que ela própria parece se colocar anteriormente à existência da imagem.

Aplausos particulares para Humano, Egocêntrico (de Lena Araújo), que de uma forma bastante sensível, criativa e indomável, procurou capturar as noções e relações de extrema força entre os seres humanos com eles próprios. Assim os exercícios exibidos, de uma forma ou de outra, acabaram se aventurando por percursos não apenas válidos – afinal de onde ou de quem viria essa validação? – mas concernentes a toda uma discussão que se espera de uma universidade.

A segunda sessão – É impossível aprender a arar lendo livros -, apesar de também ser composta por exercícios, apresentou fragmentos audiovisuais um tanto mais fechados e longos do que os anteriores, talvez por serem os exercícios finais de uma disciplina na qual o foco maior era pensar a linguagem cinematográfica básica. Tais fragmentos puderam ser comparados com os primeiros exercícios do ano dos grupos em questão, transformando a sessão em mais uma interessante oportunidade de se apurar para onde estão caminhando – entendendo obviamente que caminho algum é fechado – esses jovens realizadores.

Apesar de aspectos particulares de cada obra – o espaço e o tempo dados às ações dos personagens em Noites Eternas (de Mariana Gomes e Mariana Lage); a delicadeza com que foi tratada a história de Alvejado (de Renata Rolim); a proposição instigante de a vida imitar o cinema em Cópia (de Wislan Esmeraldo e Regis Cunha) e a construção de ambiência em Casarão (de Mariana Mori) -, o que mais me chamou a atenção nesse momento foi a liberdade que as equipes demonstraram ter ao redimensionar os primeiros exercícios em novas obras, possivelmente mais completas e complexas. Entendendo as possibilidades que o cinema poderia oferecer, cada grupo desenvolveu suas próprias questões de formas diversas, e isso se torna mais bonito ainda quando percebemos que todos eles partiram praticamente de um mesmo ponto em comum de utilização de elementos cinematográficos.

Enfim, depois das duas sessões comentadas, saí da sala de exibição feliz por ter tido a oportunidade de acompanhar não apenas as obras, mas os nervosismos e ansiedades escondidos por trás de cada uma delas, inclusive da escrita deste texto. Nessas horas, a emoção de vislumbrar a construção de visões de mundo e buscas estéticas-políticas-criativas é bem maior do que qualquer outra coisa. Apesar de estarmos todos numa parte do começo de um longo caminho, já podemos levantar das poltronas de cinema não apenas como espectadores, mas realizadores conscientes de que possuímos um lugar importante no mundo, ainda que não saibamos qual.

Fortaleza, 17 de junho de 2011
por Victor Costa Lopes 

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